Foto 1 - Antiga Ágora na Tessalônica |
Foto 2 - Praça Getúlio Vargas em Foz do Iguaçu - Paraná |
Foto 3 - Interior do Shopping Cataratas em Foz do Iguaçu - Paraná |
Ágoras, praças públicas e Shopping
Centers: O que mudou
Paulo
Ferreira
“Se escolhermos, poderemos viver em um
mundo de reconfortante ilusão” - Noam
Chomsky –
A
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emblemática democracia grega tinha como berço
e reduto ágoras – praça pública central,
também centro administrativo, religioso e comercial nas cidades onde se realizavam
as assembléias políticas - eclésias. Era praticada a democracia participativa.
Problemas e questões de toda monta eram julgados na presença [de uma parte] do
povo. Somente cerca de 10% da população
dela participavam. Ficavam de fora estrangeiros residentes, escravos e
mulheres; ou seja, a maior parte da população. Apesar desses limites, a
decantada democracia grega serviu como espelho para o ocidente, mas foi
implantada de forma diferente; enclausuraram-na em portentosos palácios
fortemente vigiados, com restrito acesso ao povo com uma radical mudança em sua
estrutura e fisiologia. Se na Grécia antiga existia a democracia participativa,
os países que a copiaram, mudaram para democracia representativa como vemos hoje
com representantes eleitos pelo povo. Com isso Diminuíram o verdadeiro sentido
da democracia e também o tamanho da cidadania quando “cassaram” o poder das
ágoras.
Como referência de localização, ponto
de encontro, testemunha dos primeiros namoros de muitos jovens, as atuais
praças públicas há muito perderam a paisagem que vicejava sua forma, sua arquitetura.
Nos bairros, durante a semana com aulas e trabalho, para muita gente a praça
servia como passagem de pessoas; umas apressadas, outras nem tanto. Muitas,
visitantes ocasionais sentavam nos convidativos bancos de cimento ou madeira
para descansar, passar tempo, contemplar as natureza morta e a viva. No sábado
a frequência aumentava. Os bancos acolhiam a todos, era até uma espécie de confessionário
mudo, impassível que a tudo ouvia e nada dizia. Nas conversas soltas, leves;
outras nem tão leves. Falava-se de futebol, de copa do mundo, de música,
cinema, de baile, das meninas, dos meninos. Os rapazes tinham suas musas; a
moças, seus Apolos. Cada um tinha sua fantasia e nem sempre esses devaneios
eram realizados. Ah se aqueles bancos falassem...
Drogas, nem pensar. Há cerca de
trinta anos o universo de substâncias alucinógenas era até um pouco diminuto.
Uma vez por outra, a maconha era tragada e logo esse infrator era excluído do
grupo a qual pertencia.
Domingo à noite era quando a praça
ganhava mais vida. Geralmente praça e igreja eram vizinhas. E praça e igreja
dividiam cada uma a seu momento, as pessoas que as freqüentavam. Depois da
missa, a visita à praça era quase obrigatória. E mais ainda, quando das
quermesses, festas pitorescas, do Carnaval, São João, Natal – tudo era vida,
luzes e cores. Para combinar com tudo isso, nada melhor que as roupas mais
novas – as domingueiras – item imprescindível. Afinal, o passeio pela praça era
um desfilar de uma passarela a todos disponível. Nem era preciso dinheiro.
Morava-se no mesmo bairro. Também não precisava de ônibus ou outro meio de
transporte – tudo estava ali. A preços módicos se comprava um saquinho de
pipoca e oferecia a paquera ou namorada. Andar na roda-gigante e outros tipos
de diversão era desafiador. Em tempos de festas funcionava o serviço de alto-falante.
Nele se enviava “telegrama” mais ou menos assim: “atenção moça de cabelos lisos
com fitinha rosa. Você é a moça mais brilhante desta festa. Assinado: Apaixonado
anônimo”. Nisso, as horas iam seguindo seu curso natural, 22Horas, 23Horas 0Hora...
Daí, as apresentações iam sendo exibidas e como era de se esperar, vem cansaço
e sono que vencem qualquer guerreiro espartano. Aos poucos, paulatinamente,
todos divergiam para seus lares. A praça bonita e enfeitada, aos poucos ficava
agora nua de gente. Na segunda-feira a
praça descansava mais uma vez de um final de semana denso e alegre. Assim
voltava ao seu normal. Ou anormal.
Os tempos mudaram. O aconchego, calor
humano e a poesia que da praça emanavam ficaram cobertos pela poeira do tempo -
agora é arcaísmo. Trocamos as singelas praças pelos modernos Shoppings Centers
- Nos americanizamos. Com a crescente e avassaladora onda de violência, mais
recrudesceu a “necessidade” de termos esses templos de consumo - O Shopping Center
é um gueto - uma realidade plástica, e atípica fora das outras realidades. Nele
tudo é artificial. O frêmito do trânsito enlouquecido fica lá fora. Aqui dentro.
a temperatura é aclimatada tecnologicamente.
Bancos para sentar são esporádicos, a não ser aqueles estrategicamente
colocados para você ter que ser induzido a consumir alguma coisa. Isto porque
sem poder sentar, as pessoas se obrigam a ficar se movimentado de loja em loja,
sendo lentamente “hipnotizadas” pelos apelos de novos produtos sedutoramente
exibidos. Comprar quase não tem limites. Para isso têm as “promoções a preço de
custo”, o crédito fácil e instantâneo até sem fiador. Depois de várias
caminhadas e travessias, o deslumbramento irresistível na parte destinada à
alimentação. É quando olfato e visão em “combinada” cumplicidade e provocando
sialorreia, evocam um lanche, ou uma refeição completa acompanhada de um suco,
refrigerante ou até mesmo cerveja. Também houve mudanças. Claro que no lado
social Shoping gera emprego. Mas segundo o ex-deputado paraibano Gilvan Freire,
para cada emprego nos shoppings três pessoas ficam desempregadas no comércio
dos bairros. É como se fosse uma “antropofagia” nos negócios.
Muitas pessoas comem em casa e aqui comem
novamente. Até se empanturram. Principalmente os pantagruélicos. Agora já é
possível sentar, mas não para descansar. As mesas dos fast foods estão espacialmente dispostas para receber desde pessoas
solitárias, casais, amigos e famílias para se juntar aos demais comensais do
recinto. Agora, o descansar é conseqüência do consumo. Pagou-se para isso. E
como também o passear está associado a comer, porque os encontros acontecem nos
shoppings, pelo fato de se comer e beber, muitas vezes até sem necessidade, estatisticamente
mais da metade da população está cada vez mais gorda e obesa, inclusive crianças.
As pessoas já não andam com o mesmo
tipo simples de roupas, também não se conhecem. Um rosto familiar nem sempre é
visto, salvo algumas exceções. Os sorrisos são artificiais. Vir aqui
requer poder de compra para adquirir alguma tentação exposta nas prateleiras ou
do contrário, volta-se para casa frustrado – uma porta aberta para a depressão
– doença do século. Mas também Shopping serve como “terapia” porque muita gente
é “feliz” quando está comprando alguma coisa. Pode-se comprar um carro –
indicador social ou até mesmo uma inútil e descartável quinquilharia seja ela
qual for. A felicidade que outrora nascia em cada um de nós, agora está logo
ali à venda nas vitrines da ilusão. Os namoros denotam uma mudança
comportamental. Namorar sem poder pagar um lanche para a namorada, não poder ir
assistir ao último lançamento de Hollywood em cartaz pode até ser estressante.
A cultura do vencedor, da exclusão social aqui é tacitamente reverenciada. É
difícil ser filho e também pai. Filho ainda em tenra idade já é estimulado a
comprar e até opinar com certa autoridade. Para pai e mãe, haja dinheiro saindo
pelo ralo da carteira. Chegar aqui sem carro é quase que “humilhante”. Muito se
fala das redes sociais com jovens cada vez mais plugados e “interagindo”. Quem
passa a maior parte do tempo em computador, tablet, MSN, Facebook, celular e
outros chamarizes da tecnologia está interagindo com quem? Com ninguém. Nem
consigo mesma a pessoa se interage. Vivemos em tempos de exposição cada vez
maior e com privacidade cada vez menor. As câmaras nos vigiam a cada movimento.
Já não somos mais nem donos de nossas próprias imagens captadas em centenas de
câmaras, estrategicamente instaladas nas lojas e também nos serviços de
segurança da administração dos shoppings. O que depois fazem com as nossas
imagens não sabemos. É o panótico na sua forma mais exacerbada. – É o que Michael
Foucault (1926-1984) se referia na Microfísica do Poder onde as sociedades
modernas apresentam uma maneira diferente de expressar uma nova organização de
poder e, que se desenvolveu a partir do século XVIII evoluindo até os nossos
dias. O poder dessa maneira, não se concentra apenas na área política ou nas
suas formas de repressão, porque ele está fragmentado em vários matizes dos
estratos sociais. É no uso do CPF, os pais, os porteiros, policiais, fiscais,
praças de pedágios.
É uma das formas de
controle sobre a população.
Os espaços públicos são cada vez
apropriados pelo poder do capitalista. Muitas vezes com generosos subsídios
públicos. O acesso que era livre passa a ser cobrado. Até parece um sistema de
castas. Os que podem mais pagam mais. Quem
não tem bom poder de compra sente-se afugentado, somente lhe sobrando a
periferia porque a cidade parece que não foi projetada para ele. O próprio
poder público comete essa improbidade quando cobra estacionamento de automóveis
nas ruas que são públicas. Com isso, cada vez mais nossa cidadania míngua
progressivamente e os governantes deixam-nos somente com o direito de votar.
Ser moderno é assim: isolamento com
sensação de interação, distância com impressão de proximidade - e dinheiro é o
metro que nos mede.
Escassos ficam sentimentos como amor,
coleguismo, solidariedade, altruísmo e outros que dão sustentação e torna coeso
o mais simples grupo social até a humanidade. Está se construindo um mundo
frio, descartável em que se lida mais com signos e menos com gente. A Estética
vale mais que a Ética. Os relacionamentos são efêmeros e voláteis. Hoje é visível
a imensa procissão de jovens – andróides e ginóides melancólicos, frágeis,
inseguros, sem determinação, sem um norte, sem laços familiares e sociais onde predomina
o é proibido proibir - tudo é permitido. É a sagração do hedonismo.
Mataram o amor e a civilidade com a
bandeira da Pós-Modernidade.
Observação:
a) Foto 1: Antiga Ágora na Tessalônica;
b) Foto 2: Praça Getúlio Vargas em Foz do Iguaçu – Paraná
com uma edificação há anos instalada e esta em fase de conclusão – O próprio
Poder Público atropela nossos direitos – Edificações em praça;
c) Foto 3: Vista interior do Shopping Cataratas em Foz do
Iguaçu – Paraná.