sexta-feira, 12 de dezembro de 2014



Foto 1 - Antiga Ágora na Tessalônica


Foto 2 - Praça Getúlio Vargas em Foz do Iguaçu - Paraná

Foto 3 - Interior do Shopping Cataratas em Foz do Iguaçu - Paraná

Ágoras, praças públicas e Shopping Centers: O que mudou

Paulo Ferreira

“Se escolhermos, poderemos viver em um mundo de reconfortante ilusão” - Noam Chomsky –
                    
A
 emblemática democracia grega tinha como berço e reduto  ágoras – praça pública central, também centro administrativo, religioso e comercial nas cidades onde se realizavam as assembléias políticas - eclésias. Era praticada a democracia participativa. Problemas e questões de toda monta eram julgados na presença [de uma parte] do povo.  Somente cerca de 10% da população dela participavam. Ficavam de fora estrangeiros residentes, escravos e mulheres; ou seja, a maior parte da população. Apesar desses limites, a decantada democracia grega serviu como espelho para o ocidente, mas foi implantada de forma diferente; enclausuraram-na em portentosos palácios fortemente vigiados, com restrito acesso ao povo com uma radical mudança em sua estrutura e fisiologia. Se na Grécia antiga existia a democracia participativa, os países que a copiaram, mudaram para democracia representativa como vemos hoje com representantes eleitos pelo povo. Com isso Diminuíram o verdadeiro sentido da democracia e também o tamanho da cidadania quando “cassaram” o poder das ágoras.
          Como referência de localização, ponto de encontro, testemunha dos primeiros namoros de muitos jovens, as atuais praças públicas há muito perderam a paisagem que vicejava sua forma, sua arquitetura. Nos bairros, durante a semana com aulas e trabalho, para muita gente a praça servia como passagem de pessoas; umas apressadas, outras nem tanto. Muitas, visitantes ocasionais sentavam nos convidativos bancos de cimento ou madeira para descansar, passar tempo, contemplar as natureza morta e a viva. No sábado a frequência aumentava. Os bancos acolhiam a todos, era até uma espécie de confessionário mudo, impassível que a tudo ouvia e nada dizia. Nas conversas soltas, leves; outras nem tão leves. Falava-se de futebol, de copa do mundo, de música, cinema, de baile, das meninas, dos meninos. Os rapazes tinham suas musas; a moças, seus Apolos. Cada um tinha sua fantasia e nem sempre esses devaneios eram realizados. Ah se aqueles bancos falassem...
          Drogas, nem pensar. Há cerca de trinta anos o universo de substâncias alucinógenas era até um pouco diminuto. Uma vez por outra, a maconha era tragada e logo esse infrator era excluído do grupo a qual pertencia. 
          Domingo à noite era quando a praça ganhava mais vida. Geralmente praça e igreja eram vizinhas. E praça e igreja dividiam cada uma a seu momento, as pessoas que as freqüentavam. Depois da missa, a visita à praça era quase obrigatória. E mais ainda, quando das quermesses, festas pitorescas, do Carnaval, São João, Natal – tudo era vida, luzes e cores. Para combinar com tudo isso, nada melhor que as roupas mais novas – as domingueiras – item imprescindível. Afinal, o passeio pela praça era um desfilar de uma passarela a todos disponível. Nem era preciso dinheiro. Morava-se no mesmo bairro. Também não precisava de ônibus ou outro meio de transporte – tudo estava ali. A preços módicos se comprava um saquinho de pipoca e oferecia a paquera ou namorada. Andar na roda-gigante e outros tipos de diversão era desafiador. Em tempos de festas funcionava o serviço de alto-falante. Nele se enviava “telegrama” mais ou menos assim: “atenção moça de cabelos lisos com fitinha rosa. Você é a moça mais brilhante desta festa. Assinado: Apaixonado anônimo”. Nisso, as horas iam seguindo seu curso natural, 22Horas, 23Horas 0Hora... Daí, as apresentações iam sendo exibidas e como era de se esperar, vem cansaço e sono que vencem qualquer guerreiro espartano. Aos poucos, paulatinamente, todos divergiam para seus lares. A praça bonita e enfeitada, aos poucos ficava agora nua de gente.  Na segunda-feira a praça descansava mais uma vez de um final de semana denso e alegre. Assim voltava ao seu normal. Ou anormal.
          Os tempos mudaram. O aconchego, calor humano e a poesia que da praça emanavam ficaram cobertos pela poeira do tempo - agora é arcaísmo. Trocamos as singelas praças pelos modernos Shoppings Centers - Nos americanizamos. Com a crescente e avassaladora onda de violência, mais recrudesceu a “necessidade” de termos esses templos de consumo - O Shopping Center é um gueto - uma realidade plástica, e atípica fora das outras realidades. Nele tudo é artificial. O frêmito do trânsito enlouquecido fica lá fora. Aqui dentro. a temperatura é aclimatada tecnologicamente.  Bancos para sentar são esporádicos, a não ser aqueles estrategicamente colocados para você ter que ser induzido a consumir alguma coisa. Isto porque sem poder sentar, as pessoas se obrigam a ficar se movimentado de loja em loja, sendo lentamente “hipnotizadas” pelos apelos de novos produtos sedutoramente exibidos. Comprar quase não tem limites. Para isso têm as “promoções a preço de custo”, o crédito fácil e instantâneo até sem fiador. Depois de várias caminhadas e travessias, o deslumbramento irresistível na parte destinada à alimentação. É quando olfato e visão em “combinada” cumplicidade e provocando sialorreia, evocam um lanche, ou uma refeição completa acompanhada de um suco, refrigerante ou até mesmo cerveja. Também houve mudanças. Claro que no lado social Shoping gera emprego. Mas segundo o ex-deputado paraibano Gilvan Freire, para cada emprego nos shoppings três pessoas ficam desempregadas no comércio dos bairros. É como se fosse uma “antropofagia” nos negócios.
          Muitas pessoas comem em casa e aqui comem novamente. Até se empanturram. Principalmente os pantagruélicos. Agora já é possível sentar, mas não para descansar. As mesas dos fast foods estão espacialmente dispostas para receber desde pessoas solitárias, casais, amigos e famílias para se juntar aos demais comensais do recinto. Agora, o descansar é conseqüência do consumo. Pagou-se para isso. E como também o passear está associado a comer, porque os encontros acontecem nos shoppings, pelo fato de se comer e beber, muitas vezes até sem necessidade, estatisticamente mais da metade da população está cada vez mais gorda e obesa, inclusive crianças.
          As pessoas já não andam com o mesmo tipo simples de roupas, também não se conhecem. Um rosto familiar nem sempre é visto, salvo algumas exceções. Os sorrisos são artificiais.   Vir aqui requer poder de compra para adquirir alguma tentação exposta nas prateleiras ou do contrário, volta-se para casa frustrado – uma porta aberta para a depressão – doença do século. Mas também Shopping serve como “terapia” porque muita gente é “feliz” quando está comprando alguma coisa. Pode-se comprar um carro – indicador social ou até mesmo uma inútil e descartável quinquilharia seja ela qual for. A felicidade que outrora nascia em cada um de nós, agora está logo ali à venda nas vitrines da ilusão. Os namoros denotam uma mudança comportamental. Namorar sem poder pagar um lanche para a namorada, não poder ir assistir ao último lançamento de Hollywood em cartaz pode até ser estressante. A cultura do vencedor, da exclusão social aqui é tacitamente reverenciada. É difícil ser filho e também pai. Filho ainda em tenra idade já é estimulado a comprar e até opinar com certa autoridade. Para pai e mãe, haja dinheiro saindo pelo ralo da carteira. Chegar aqui sem carro é quase que “humilhante”. Muito se fala das redes sociais com jovens cada vez mais plugados e “interagindo”. Quem passa a maior parte do tempo em computador, tablet, MSN, Facebook, celular e outros chamarizes da tecnologia está interagindo com quem? Com ninguém. Nem consigo mesma a pessoa se interage. Vivemos em tempos de exposição cada vez maior e com privacidade cada vez menor. As câmaras nos vigiam a cada movimento. Já não somos mais nem donos de nossas próprias imagens captadas em centenas de câmaras, estrategicamente instaladas nas lojas e também nos serviços de segurança da administração dos shoppings. O que depois fazem com as nossas imagens não sabemos. É o panótico na sua forma mais exacerbada. – É o que Michael Foucault (1926-1984) se referia na Microfísica do Poder onde as sociedades modernas apresentam uma maneira diferente de expressar uma nova organização de poder e, que se desenvolveu a partir do século XVIII evoluindo até os nossos dias. O poder dessa maneira, não se concentra apenas na área política ou nas suas formas de repressão, porque ele está fragmentado em vários matizes dos estratos sociais. É no uso do CPF, os pais, os porteiros, policiais, fiscais, praças de pedágios.   É uma das formas de controle sobre a população.
          Os espaços públicos são cada vez apropriados pelo poder do capitalista. Muitas vezes com generosos subsídios públicos. O acesso que era livre passa a ser cobrado. Até parece um sistema de castas. Os que podem mais pagam mais.  Quem não tem bom poder de compra sente-se afugentado, somente lhe sobrando a periferia porque a cidade parece que não foi projetada para ele. O próprio poder público comete essa improbidade quando cobra estacionamento de automóveis nas ruas que são públicas. Com isso, cada vez mais nossa cidadania míngua progressivamente e os governantes deixam-nos somente com o direito de votar.
          Ser moderno é assim: isolamento com sensação de interação, distância com impressão de proximidade - e dinheiro é o metro que nos mede.
          Escassos ficam sentimentos como amor, coleguismo, solidariedade, altruísmo e outros que dão sustentação e torna coeso o mais simples grupo social até a humanidade. Está se construindo um mundo frio, descartável em que se lida mais com signos e menos com gente. A Estética vale mais que a Ética. Os relacionamentos são efêmeros e voláteis. Hoje é visível a imensa procissão de jovens – andróides e ginóides melancólicos, frágeis, inseguros, sem determinação, sem um norte, sem laços familiares e sociais onde predomina o é proibido proibir - tudo é permitido. É a sagração do hedonismo.
          Mataram o amor e a civilidade com a bandeira da Pós-Modernidade.

Observação:
a)    Foto 1: Antiga Ágora na Tessalônica;
b)   Foto 2: Praça Getúlio Vargas em Foz do Iguaçu – Paraná com uma edificação há anos instalada e esta em fase de conclusão – O próprio Poder Público atropela nossos direitos – Edificações em praça;
c)    Foto 3: Vista interior do Shopping Cataratas em Foz do Iguaçu – Paraná.